O cantor e compositor Gilberto Gil, em sua música Se eu quiser falar com Deus, define
muito bem a religião. Segundo ele, esse projeto humano é uma tentativa de
“subir aos céus sem cordas pra segurar”. De acordo com os versos do artista
baiano, o resultado dessa busca será “nada, nada, nada, nada do que eu pensava
encontrar”. Concordo plenamente com Gilberto Gil – tal comportamento chama-se
religiosidade, e o único resultado que se obtém dela é a frustração. Isso dá o
que pensar no momento em que sabemos que 92% dos brasileiros têm algum tipo de
envolvimento com a religião – sendo que mais de 42 milhões deles se declaram
evangélicos, segundo o último censo.
A partir destes números, poderíamos definir o brasileiro
como um povo altamente religioso, e com um crescente viés evangélico. Ou seja,
a religiosidade evangélica tornou-se expressiva no contexto nacional, e se faz
presente nos mais variados segmentos de nossa sociedade. No entanto, podemos
ser induzidos a dois grandes equívocos na nossa percepção acerca dessa presença
e influência. O primeiro é o de acreditar que a palavra de Deus é algo que
precisa ser ouvido, compreendido e acolhido somente por aqueles que se
encontram do lado de fora das chamadas igrejas evangélicas. A pressuposição
básica é a de que os que se encontram dentro de nossos templos – de
preferência, vinculados ao rol de membros – estão ali justamente porque já
ouviram, compreenderam e se renderam ao Evangelho.
O segundo equívoco é
pensar que a religiosidade evangélica é boa, enquanto as demais formas de
expressão religiosa são ruins. Aqui, encontra-se pressuposição de que o simples
fato de se denominar evangélico significa que alguém efetivamente vive o
evangelho. Consequentemente, não se pondera a possibilidade de a própria
religiosidade evangélica ser, de alguma forma, uma espécie de antídoto contra a
mensagem do próprio Evangelho. Logo, o Evangelho precisa, sim, ser ouvido,
compreendido e acolhido também por pessoas que se encontram dentro de nossas
chamadas igrejas evangélicas – isso porque estar
dentro de uma dessas igrejas não significa, necessariamente, estar no
Evangelho.
O termo religião deriva do latim religare e aponta para um conjunto de crenças, tradições, ritos e
normas comportamentais que têm por objetivo primário a conquista (ou
reconquista) do favor da divindade por parte do fiel. Ou seja, a religião é
algo que se caracteriza pela tentativa do homem de, através de seu próprio
esforço e performance, se conectar ou religar com o divino. Bem diferente do
projeto religioso é o evangelho. O termo derivado do grego evangelion, significa literalmente “boa notícia”. E o Evangelho é boa notícia por anunciar
que o que era impossível aos homens e mulheres, através do próprio esforço
religioso, tornou-se possível através da ação graciosa e poderosa do próprio
Deus criador. Em Jesus, esse Deus criador vem ao encontro da humanidade para
assumir sobre si a consequência da ruptura gerada pela opção errada de nossos
primeiros pais.
No princípio, houve um acordo, uma decisão e uma
consequência; mas, na cruz, o Deus criador paga o preço da decisão errada
tomada pelos nossos ancestrais a fim de anular o resultado do pecado, que nos
mantém aleijados de uma relação pessoal com o Senhor.
Assim, agora, todo aquele que crê que Jesus é quem, de fato,
disse ser (o próprio Deus criador) e que a obra feita por ele na cruz foi
totalmente suficiente para restaurar a relação entre Deus e a humanidade, está
definitivamente religado ao seu amor na história e por toda eternidade. Não se
trata de confiar nos ritos que fazemos, ou mesmo no comportamento que adotamos,
mas sim, na incondicionalidade do seu imenso amor demonstrado na cruz. Aqui,
chegamos ao ponto mais importante e preocupante: O que encontramos dentro das
chamadas igrejas evangélicas no Brasil? São homens e mulheres que vivem uma
relação pessoal e intima com Deus por confiarem plenamente na obra feita por
Jesus na cruz? Ou, simplesmente, vemos pessoas, dedicando-se às atividades
eclesiásticas, às campanhas de arrecadação financeira e a práticas religiosas
de todo tipo, a fim de se sentirem dignos do amor e favor de Deus?
Ricardo Agreste
Cristianismo Hoje.
Nenhum comentário:
Postar um comentário