quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Entre os evangélicos e o evangelho




O cantor e compositor Gilberto Gil, em sua música Se eu quiser falar com Deus, define muito bem a religião. Segundo ele, esse projeto humano é uma tentativa de “subir aos céus sem cordas pra segurar”. De acordo com os versos do artista baiano, o resultado dessa busca será “nada, nada, nada, nada do que eu pensava encontrar”. Concordo plenamente com Gilberto Gil – tal comportamento chama-se religiosidade, e o único resultado que se obtém dela é a frustração. Isso dá o que pensar no momento em que sabemos que 92% dos brasileiros têm algum tipo de envolvimento com a religião – sendo que mais de 42 milhões deles se declaram evangélicos, segundo o último censo.

A partir destes números, poderíamos definir o brasileiro como um povo altamente religioso, e com um crescente viés evangélico. Ou seja, a religiosidade evangélica tornou-se expressiva no contexto nacional, e se faz presente nos mais variados segmentos de nossa sociedade. No entanto, podemos ser induzidos a dois grandes equívocos na nossa percepção acerca dessa presença e influência. O primeiro é o de acreditar que a palavra de Deus é algo que precisa ser ouvido, compreendido e acolhido somente por aqueles que se encontram do lado de fora das chamadas igrejas evangélicas. A pressuposição básica é a de que os que se encontram dentro de nossos templos – de preferência, vinculados ao rol de membros – estão ali justamente porque já ouviram, compreenderam e se renderam ao Evangelho.

 O segundo equívoco é pensar que a religiosidade evangélica é boa, enquanto as demais formas de expressão religiosa são ruins. Aqui, encontra-se pressuposição de que o simples fato de se denominar evangélico significa que alguém efetivamente vive o evangelho. Consequentemente, não se pondera a possibilidade de a própria religiosidade evangélica ser, de alguma forma, uma espécie de antídoto contra a mensagem do próprio Evangelho. Logo, o Evangelho precisa, sim, ser ouvido, compreendido e acolhido também por pessoas que se encontram dentro de nossas chamadas igrejas evangélicas – isso porque estar dentro de uma dessas igrejas não significa, necessariamente, estar no Evangelho.

O termo religião deriva do latim religare e aponta para um conjunto de crenças, tradições, ritos e normas comportamentais que têm por objetivo primário a conquista (ou reconquista) do favor da divindade por parte do fiel. Ou seja, a religião é algo que se caracteriza pela tentativa do homem de, através de seu próprio esforço e performance, se conectar ou religar com o divino. Bem diferente do projeto religioso é o evangelho. O termo derivado do grego evangelion, significa literalmente “boa notícia”. E o Evangelho é boa notícia por anunciar que o que era impossível aos homens e mulheres, através do próprio esforço religioso, tornou-se possível através da ação graciosa e poderosa do próprio Deus criador. Em Jesus, esse Deus criador vem ao encontro da humanidade para assumir sobre si a consequência da ruptura gerada pela opção errada de nossos primeiros pais.

No princípio, houve um acordo, uma decisão e uma consequência; mas, na cruz, o Deus criador paga o preço da decisão errada tomada pelos nossos ancestrais a fim de anular o resultado do pecado, que nos mantém aleijados de uma relação pessoal com o Senhor.

Assim, agora, todo aquele que crê que Jesus é quem, de fato, disse ser (o próprio Deus criador) e que a obra feita por ele na cruz foi totalmente suficiente para restaurar a relação entre Deus e a humanidade, está definitivamente religado ao seu amor na história e por toda eternidade. Não se trata de confiar nos ritos que fazemos, ou mesmo no comportamento que adotamos, mas sim, na incondicionalidade do seu imenso amor demonstrado na cruz. Aqui, chegamos ao ponto mais importante e preocupante: O que encontramos dentro das chamadas igrejas evangélicas no Brasil? São homens e mulheres que vivem uma relação pessoal e intima com Deus por confiarem plenamente na obra feita por Jesus na cruz? Ou, simplesmente, vemos pessoas, dedicando-se às atividades eclesiásticas, às campanhas de arrecadação financeira e a práticas religiosas de todo tipo, a fim de se sentirem dignos do amor e favor de Deus?

 

Ricardo Agreste
Cristianismo Hoje.

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